Com a mudança de governo na Argentina, surgiu a notícia do fechamento dos canais públicos do país, que são referência importante para todo o campo público. Todos perderemos muito: haverá uma redução na quantidade de programas a serem distribuídos na troca de conteúdos, menos diversidade cultural em nossas telas e menos produção para diversos trabalhadores.
O termo ecossistema tem sido muito utilizado para explicar também a sinergia entre diferentes organismos em setores da economia e na cadeia cultural.
Ouso me referir ao trabalho da TAL - rede de televisões públicas e culturais na América Latina – como sendo um grande ecossistema. São 20 anos de trabalho cooperativo em rede, com mais 200 canais envolvidos, onde todos são favorecidos pelas relações estabelecidas pelos seus membros.
Para mostrar na natureza o que trato nesse relato, usarei o exemplo do ecossistema do bicho preguiça. Não é segredo para os biológos que o tom marrom-esverdeado dos grossos pelos das preguiças se deve à presença de organismos clorofilados. Algas verdes e cianobactérias (algas azuis) escondidas na pelagem ajudam esses lentos mamíferos que vivem trepados nas árvores a se camuflar na mata e despistar seus predadores. Mas os pesquisadores não imaginavam que essa parte do corpo das preguiças pudesse abrigar um miniecossistema tão variado. O ecólogo Adriano Chiarello, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), um dos autores do trabalho, publicado em 30 de março deste ano na revista BMC intitulado Evolutionary Biology, mostra um estudo filogenético feito com amostras da pelagem de 71 animais, pertencentes às seis espécies de preguiça existentes, encontrou material molecular oriundo de 72 grupos distintos de organismos – desde aranhas, mariposas, besouros e baratas até um grande número de micróbios. Ele diz que “havia seres que eram produtores (algas), consumidores (protozoários) e decompositores (fungos) de alimentos”. Por outro lado, vale também ressaltar o que acontece quando espécies são extintas. As principais consequências são a perda de biodiversidade, a redução do fundo genético global do planeta, a diminuição do número de recursos naturais e de variedade alimentar, a redução da capacidade de autorregulação dos ecossistemas e a aceleração da extinção de outras espécies, já que há uma íntima relação entre elas.
Com a mudança do governo na Argentina, surgiu a notícia do fechamento dos canais públicos do país. São canais que foram referências importantes para todo o campo público. Assim como na natureza, o ambiente cultural se transforma quando espécies são extintas. Todos perderemos muito com a extinção dos canais públicos da Argentina. Teremos uma redução na quantidade de programas a serem distribuídos no intercâmbio de conteúdos, menos diversidade cultural nas nossas telas e menos produção para diversos trabalhadores.
Importante mostrar o impacto do canal infantil Pakapaka com ações concretas. Este canal foi criado em 2007 e logo se tornou uma referência em toda a região. As nossas infâncias que estavam sendo abandonas pelas TVs comerciais passaram a ter um lugar de destaque. Durante a pandemia, o canal Pakapaka distribuiu um pacote de programação para todos os canais da rede, para atender ao público infantil que estava sem escola e isolado dentro de casa. O canal ao longo da sua trajetória conquistou vários reconhecimentos e prêmios internacionais. Foi responsável pela coordenação da primeira coprodução infantil da rede TAL. Foi também o idealizador do nosso Conselho da Infância TALI– composto por 42 crianças, entre 4 a 14 anos de idade, de 22 canais de 12 países, criado com o objetivo de identificar desafios, propor soluções inovadoras e promover estratégias para ampliar as vozes das crianças nas nossas telas. Foram inúmeros os workshops, mentorias e consultorias dados pelos seus dirigentes. É incalculável o número de produtores, parceiros e consumidores desta cadeia criativa de apenas um canal.
No Brasil, o governo Bolsonaro asfixiou as possiblidades de transformações sociais no nosso país, direcionando sua ação destruidora sobretudo nas áreas da saúde, cultura, ciência, tecnologia, meio-ambiente e educação, cujos índices mostram um retrocesso histórico. Especificamente com relação às televisões públicas, houve um verdadeiro desmonte, que só não alcançou seus objetivos de destruição total por causa da resistência e luta dos seus servidores e todo o setor cultural.
Devemos todos nos unir num movimento em favor da TV pública latino-americana. Importante esclarecer que TV pública é aquela que constrói sua trajetória no binômio educação e cultura, acompanhado do complemento para formar cidadania. E mais uma vez destacamos a definição dos professores Jesús Martín-Barbero, Gérman Rey e Omar Rincón encontrada no estudo Televisión pública, cultural, de calidad (2000), sobre o que faz uma televisão ser cultural:
“La televisión es cultural cuando se asume a sí misma como un lugar decisivo en la construcción de los imaginarios sociales y las identidades culturales, dándose entonces como proyecto específico contribuir en el ejercicio cotidiano de una cultura democrática, y en el reconocimiento de la multiculturalidad del país y del mundo”.
A interdependência - a dependência mútua de todos os processos vitais dos organismos - é a natureza de todas as relações ecológicas e também das culturais. O comportamento de cada membro vivo do ecossistema depende do comportamento de muitos outros. Por isso, precisamos com urgência discutir sobre a estabilidade das nossas instituições culturais, a importância da comunicação pública e cultural na nossa região e seu papel decisivo na construção da democracia nos nossos países.